Aspectos Psicológicos do Câncer de Mama

O câncer de mama

Câncer é uma doença de etiologia multifatorial, caracterizada por anormalidades genético-celulares, considerada um conjunto de mais de cem doenças, que tem como característica o crescimento e multiplicação desordenada de células que invadem tecidos e órgãos.

O câncer de mama é considerado mundialmente o mais comum dentre os cânceres femininos. No Brasil, está associado a uma alta taxa de mortalidade, embora que se diagnosticado e tratado precocemente, poderá receber um favorável prognóstico.

É uma doença que engloba consequências físicas e psíquicas, representadas por mutilações e prejuízos graves em relação à autoestima, à autoimagem e à sexualidade. Até o início do século XX, o diagnóstico de câncer era considerado sentença de morte.

Atualmente, o panorama da doença oncológica tem sofrido mudanças significativas devido aos avanços da medicina no desenvolvimento das cirurgias, radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia, imunoterapia e outras possibilidades de tratamento, além das contribuições da psiquiatria e da psicologia. O câncer de mama acomete um importante órgão do corpo feminino, pois a mama é considerada símbolo da sexualidade e da maternidade, associada ao prazer e à vida e tida como um objeto central de desejo e satisfação.

Adquirir uma doença nesse órgão interfere no processo de simbolização da mulher enquanto ser feminino. 

O papel da Psicologia no contexto oncológico

O profissional de psicologia que atua na área da oncologia tem como objetivo auxiliar o paciente na prevenção e redução dos sintomas emocionais e físicos causados pela doença e na compreensão do significado da experiência do adoecer ao possibilitar a ressignificação de todo o processo envolvido.

Penna define a finalidade do trabalho psicológico:

“melhorar, modificar e atenuar aquilo que é disfuncional e que cause sofrimento ao paciente, que o impeça de utilizar formas adaptativas para lidar com a patologia orgânica, visando uma melhora na qualidade de vida do indivíduo na vigência de uma doença”.

O grupo terapêutico, apontado pela literatura especializada na prática da psicologia oncológica, é uma intervenção considerada eficaz, devido proporcionar benefícios como o compartilhar informações, a universalidade de conflitos, o altruísmo, o comportamento identificativo, a aprendizagem interpessoal, a coesão grupal e a catarse. 

Diagnóstico e enfrentamento do câncer de mama

Ao receber o diagnóstico de um câncer de mama, a mulher estará diante de inúmeras informações novas que geram dúvidas e sentimentos variados. A resposta emocional de cada mulher dependerá das habilidades de enfrentamento, disponibilidade emocional, suporte financeiro e parâmetro médico.

Geralmente, as primeiras reações são de choque e de revolta, acompanhadas dos sentimentos de medo e raiva. Grande parte das mulheres relata, inicialmente, um estado de paralisia e desespero, acompanhados do desejo de ter sido vítima de um diagnóstico equivocado, atitude esperada na fase da negação, que poderá resultar numa incansável peregrinação a variados médicos.

A negação é considerada um mecanismo de defesa transitório e permite atenuar o choque do diagnóstico temido. Aderir ao tratamento o quanto antes é fundamental e, muitas vezes, decisivo para um bom prognóstico. Procurar médicos e equipes que atendam às necessidades da paciente e da família, principalmente na realização de um trabalho humanizado, não caracteriza negação da doença.

Sentimentos como ansiedade, raiva, tristeza, insegurança, desespero, culpa e solidão serão frequentes durante o tratamento, alternados com os sentimentos de, entre outros, otimismo, esperança, ânimo e entusiasmo. Aceitá-los e aprender a lidar com eles na busca de recursos emocionais para o enfrentamento da doença e do tratamento, possibilita administrar melhor a situação, fortalecer o sistema imunológico e produz resultados positivos.

O diagnóstico existe e, por mais dolorosa que seja a realidade, é preciso escolher enfrentá-la. Será uma travessia turbulenta, permeada por inúmeros medos, entre eles o medo da morte, do abandono, da recidiva e de não conseguir enfrentar o tratamento. Inúmeros sentimentos estarão indo e vindo; o ser humano é constituído por esse “exército” de sentimentos para enfrentar as batalhas da vida, comemorar e desfrutar das vitórias, bem como sobreviver às derrotas e seguir em frente. 

O medo da morte

O medo da morte acompanha a humanidade e ignorá-lo ou evitá-lo é esperado, devido à dificuldade do inconsciente em conceber o fim da vida. Atualmente, observa-se na sociedade a tentativa por dominar a morte já que não se pode negá-la.

São inúmeras as razões envolvidas em fugir do inevitável. Nota-se o morrer associado à tristeza e à solidão, consequentemente um assunto temido e negado socialmente. Enfrentar a morte com serenidade requer pensá-la em vida, lutar pela humanização nas relações interpessoais e sociais; repensar conduta, postura e valores; organizar e planejar os objetivos individuais e contar com a morte como uma possibilidade natural.

Várias mulheres retomam suas vidas e relatam rever seus valores, atribuindo novas perspectivas de vida após enfrentarem um câncer.

O medo de abandono e as crises nos relacionamentos conjugais estão relacionados às consequências físicas e psíquicas representadas por mutilações e prejuízos graves em relação à autoestima, à autoimagem e à sexualidade da mulher.

A preocupação com o tratamento e com alguns efeitos colaterais como a queda do cabelo, a diminuição da lubrificação vaginal e do desejo sexual geram insegurança e alteram a rotina do casal. Conversar e encontrar, juntos, alternativas para enfrentarem a situação poderá aliviar e eliminar o peso dos medos sentidos por ambos. Na vida a dois sempre existirão obstáculos; escolher reconhecê-los e buscar alternativas para superá-los fortalece o relacionamento.

O medo da recidiva, ou seja, da doença reaparecer, pode preocupar a mulher, logo após o diagnóstico e, posteriormente ao tratamento, durante os exames anuais de controle. Ao aguardar os resultados dos exames sobre o tipo de câncer, tratamentos e a possibilidade de metástases (demais órgãos afetados) inúmeras dúvidas e preocupações estarão presentes. 

Enfrentar a doença

Enfrentar a doença exige lidar com uma etapa de cada vez. Uma boa alternativa é manter a calma e concentrar energia na capacidade de superação e fortalecimento do sistema imunológico com otimismo e determinação. Durante o período de controle, após o tratamento, um bom recurso é cuidar da saúde com atitudes preventivas e amar a vida intensamente e, quando o medo aparecer, refletir sobre o presente e sobre o estado de saúde atual.

O medo de sentir dor e dos efeitos colaterais está associado ao desconhecido e às inúmeras informações, muitas vezes inadequadas, às quais o indivíduo é exposto pelos meios de comunicação e por relatos de pessoas sobre experiências vividas.

O organismo de cada ser humano reage de forma diferente às mesmas exposições; várias técnicas utilizadas na medicina e na psicologia amenizam a dor e tornam os efeitos colaterais suportáveis. Os avanços científicos têm proporcionado resultados promissores com tratamentos eficazes e cada vez menos agressivos, com efeitos colaterais menos intensos.

Ajudar a si mesma requer aprender a encarar os medos; a viver as relações de modo autêntico; a compreender, respeitar e expressar as emoções íntimas; a permitir ser cuidada; a praticar exercícios de respiração, relaxamento, mindfulness, yoga, meditação, tai chi chuan; a ter alimentação saudável e a praticar atividade física, considerando as prescrições médicas durante o tratamento. São inúmeros os recursos disponíveis e conhecê-los fornecerá informações para realizar escolhas que se adaptem ao perfil e à necessidade individual. 

Respeitar as emoções

Respeitar as emoções e procurar formas de enfrentá-las inclui conversar e dividir aflições e angústias com familiares, amigos, profissionais, pastores, párocos e demais pessoas da rede social. Comunicar e solicitar o respeito aos desejos, tais como não receber visitas ou não falar sobre o assunto, permite um ambiente agradável, evita constrangimentos e prevalece a sensação de bem-estar e acolhimento.

A mulher desempenha papéis sociais: filha, irmã, profissional, esposa, mãe e costuma cuidar dos que a cercam e nutri-los. Ser cuidada pelo outro exige permissão e abertura para receber o amor, a dedicação, o carinho, a gentileza e aceitar a vulnerabilidade como uma condição humana. Receber ajuda não é sinônimo de fraqueza.

Atitudes e pensamentos otimistas, bem como o desejo de viver, fortalecem o sistema imunológico ao estimular as defesas naturais do organismo a trabalharem de forma mais eficiente. Em contrapartida, ter pensamentos negativos e encarar uma suposta derrota, sem ao menos tentar lutar, geram os sentimentos de impotência, tristeza e solidão que podem ocasionar queda na capacidade vital de reações orgânicas fortalecedoras.

Praticar o autocontrole das emoções, acalmar-se e acionar a capacidade de seguir em frente exigem treino. A respiração proporciona equilíbrio interno; sua prática de forma lenta e profunda auxilia na percepção do funcionamento físico e psíquico do corpo. Sentar-se em uma poltrona confortável, fechar os olhos, inspirar o ar pelo nariz e exalar pela boca três vezes, imaginar um lugar agradável, de preferência na natureza, com riqueza de detalhes, e associar esse lugar a uma palavra como paz ou tranquilidade é um excelente recurso para potencializar o bem-estar, amenizar a dor, organizar as emoções, dissipar os medos, a angústia e a ansiedade, e reduzir o impacto do estresse. 

Ativar recursos internos também é possível ao respirar

Ativar recursos internos também é possível ao respirar; fechar os olhos e relembrar eventos do passado, quando superou e venceu obstáculos, para acionar no presente crenças positivas: “sou capaz”, “posso enfrentar isso”, “consigo lidar com isso”. Vale ressaltar que é fundamental, para a realização desse exercício mental, acionar apenas as lembranças de cenas que gerem sentimentos e sensações positivas.

Demais alternativas envolvem participar de grupos de apoio, associações e organizações de mulheres que já tiveram câncer de mama. Receber ajuda e constatar não ser a única a enfrentar a doença torna a travessia mais leve. Realizar um trabalho voluntário, como parte integrante da equipe nessas instituições, alimenta a esperança e a gratidão pela vida.
A fé é um valioso recurso; a sensação da presença divina poderá despertar no indivíduo força, esperança, superação, capacidade de desenvolver o autocontrole, de ampliar a conexão com a energia disponível no universo e dar sentido à vida. 

Ler e assistir

Ler e assistir a filmes sobre o câncer poderá contribuir com informações esclarecedoras, identificação de sentimentos, situações e relatos que trarão esperança, alívio e compreensão.
Enfrentar a doença não deve se tornar o único objetivo na vida da mulher e de seus familiares.

O câncer de mama é uma circunstância a ser atravessada; é preciso retomar aos poucos a rotina e continuar a investir nos projetos e sonhos considerados vitais para a humanidade. Procurar opções interessantes para se distrair, tais como dançar, ler, ouvir música, conviver com amigos e familiares, passear, viajar, descobrir novos prazeres e se permitir vivenciá-los. O câncer pode ser encarado como uma oportunidade de voltar-se para si e aprender a escutar o pedido da alma, as aspirações mais secretas, ao repensar as escolhas e decisões na descoberta dessa nova vida.

O tratamento do câncer requer equipe especializada de profissionais da área da saúde, entre eles médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, dentistas e fisioterapeutas. A psicologia contribui na área da psico-oncologia, com estudos científicos na prevenção, no tratamento e na reabilitação da doença; oferece suporte psicossocial e psicoterápico ao paciente e à família, desde o impacto do diagnóstico, no auxílio aos recursos para o enfrentamento do câncer e na obtenção da qualidade de vida durante e após tratamento.

Procurar por profissionais especializados contribui para o processo de controle e possível cura do câncer. 

Projeto Fortalecer – Bauru/SP

O Projeto Fortalecer é gratuito, destinado à população de mulheres em diferentes fases do diagnóstico, do tratamento e pós-tratamento do câncer de mama. As atividades desenvolvidas, eram presenciais, quinzenalmente, na Sede do Grupo Amigas do Peito de Bauru.

Devido à COVID-19, recentemente, foi adotada a modalidade on-line dando a continuidade aos encontros grupais, com a finalidade de possibilitar um espaço de escuta empática, compartilhamento e promover um trabalho fortalecedor dos recursos de enfrentamento.

O referencial teórico que fundamenta a atuação é o Psicodrama de Jacob Levy Moreno, especificamente o Sociodrama e demais estudos na área de processos grupais. Os recursos utilizados são considerados com base no trabalho colaborativo para promover a superação e a resiliência.

 Fonte: VETOR

Referências

Brasil, Ministério da Saúde, & Instituto Nacional de Câncer (2011). ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do câncer / Instituto Nacional de Câncer (128 p. 2011). Rio de Janeiro, RJ: Inca. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/abc_do_cancer_2ed.pdf
Costa Júnior, A. L. (2001). O desenvolvimento da Psico-oncologia: implicações para a pesquisa e intervenção profissional em saúde. Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, 21(2), 36-43.
Kübler-Ross, E. (1994). Sobre a Morte e o Morrer: o que os Doentes Terminais Têm para Ensinar a Médicos, Enfermeiras, Religiosos e aos seus Próprios Parentes (Paulo Menezes, Trad.). São Paulo, SP: Martins Fontes.
Menezes, N. N. T., Schulz, V. L., & peres, R. S. Impacto psicológico do diagnóstico do câncer de mama: um estudo a partir dos relatos de pacientes em um grupo de apoio. Estudos psicologia. Natal, 1.

Moreno, J. L. (2017). Psicodrama (Vol. 19). São Paulo, SP: Ed.Cultrix.
Neuber, L. M. B. (2010). Sociodrama e prevenção do câncer de mama em mulheres com conflitos conjugais e familiares (Tese de Doutorado). UNESP: Botucatu, SP.
Osório, L. C. (2003). Psicologia Grupal: uma nova disciplina para o advento de uma nova era. Porto Alegre, RS: Artmed.
Penna, T. (1997). Psicoterapia no hospital geral. Saúde mental no hospital geral. Cad IPUB.
Straub, R. O. (2013). Psicologia da saúde: uma abordagem biopsicossocial. Porto Alegre, RS: Artmed.
Zimerman, D. E. (1999). Fundamentos básicos das grupoterapias (1ª ed.). Porto Alegre, RS: Artmed.
Zimerman, D. E. et al. (2006). Como trabalhamos com grupos (2ª ed.). Porto Alegre, RS: Artes Médicas.

Profa. Dra Luciana Maria Biem Neuber

Psicóloga graduada pela Universidade do Sagrado Coração – Bauru/SP (1998), especialista em Psicologia Clínica pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais – USP/Bauru-SP, especialista em Terapia de Casais e Famílias pela F&Z Assessoria e Desenvolvimento em Educação e Saúde, São Paulo-SP.

Mestre e doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP/Botucatu-SP. Terapeuta em EMDR pelo EMDR Institute, EMDRIA e EMDR Ibero-América e psicóloga clínica de referencial teórico Psicodramático Sistêmico.

Atua como psicóloga voluntária no Grupo Amigas do Peito de Bauru/SP e como docente no curso de Psicologia na Faculdades Integradas de Bauru – FIB.

Nenhum comentário:

REALIZE UMA CAPACITAÇÃO, PALESTRA OU OFICINA SOBRE INDISCIPLINA, BULLYING E ATO INFRACIONAL:

Precisa de Ajuda?