Violência Preocupa Mais Que Ensino
Mais do que a baixa qualidade do ensino, é a violência a maior preocupação de alunos, pais e professores. É o que mostra uma pesquisa recente, em que 17% dos entrevistados apontaram que o principal problema nas escolas são as ocorrências de crimes, agressões, ameaças e uso de drogas no ambiente escolar. O item só perde para a falta de motivação dos professores, indicada por 19% das pessoas ouvidas em 141 municípios.
A pesquisa foi realizada pelo Instituto Ibope Inteligência a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI), em parceria com o movimento Todos pela Educação. E traz outro dado alarmante: apenas 9% dos brasileiros consideram como um dos principais problemas da Educação no Brasil a baixa qualidade do ensino e o fato de os alunos não estarem adquirindo conhecimentos como deveriam.
O levantamento do Ibope não é o único que mostra o quanto a violência assusta no meio escolar: uma pesquisa feita em seis Estados pela organização não-governamental Plan - presente em mais de 60 países revela que 70% de um total de 12 mil alunos dizem já ter sofrido violência nas unidades de ensino.
Na Grande Vitória, o diagnóstico desses estudos constantemente pode ser visto na prática: na segunda-feira, um adolescente foi morto; e outro, baleado na quadra de uma escola estadual em Vila Velha. Preocupado com ocorrências como essa, o professor da rede pública Gil Serafim está pensando em pedir à Polícia Federal porte de arma para, segundo ele, sentir-se mais seguro.
Para o professor do Mestrado e do Doutorado em Educação da Universidade Federal do Estado (Ufes) Hiran Pinel, o avanço da violência pode ser contido com iniciativas pontuais e firmes. "Há uma tendência de se pensar que a escola é um lugar de paz, mas ela reflete o que acontece na sociedade. Há iniciativas de escolas que conseguem envolver a família, a comunidade e tratar os conflitos de forma adequada. É preciso respeitar as diferenças e ter profissionais atentos."
Outra ressalva que o professor faz é sobre a saúde do professor. "Há muita fuga do problema e gente querendo ir além de seus limites. Se houver transparência e participação entre escola, profissionais, comunidade e família, tudo fluirá melhor."
Questão afeta também a rede particular
A violência "que dói por dentro", como tentam explicar as crianças com idade entre 7 e 9 anos ouvidas na pesquisa da Plan, pode ser notada com muito frequência nas escolas particulares, segundo o professor Hiran Pinel. "Existe a violência verbal, a questão de desmentir para o aluno o que ele sabe que aconteceu. Isso é uma forma de violência. Há casos em que professores desmentem na frente dos pais e até fazem com que a turma inteira confirme que nada daquilo aconteceu", cita, em referência a conflitos entre professores e alunos na rede particular de ensino.
Ele ressalta que apesar de muitas escolas reclamarem da falta de envolvimento dos pais na vida escolar do aluno, várias não estão preparadas para essa participação. "Não há uma ofensa direta, mas há escolas que não recebem bem essa participação, e isso também é uma violência", diz.
Paz após interação dentro e fora da escola
A boa relação com a comunidade e com as famílias dos alunos garantiu à escola municipal de ensino fundamental Valéria Maria Miranda, em Vila Nova de Colares, Serra, um cotidiano com menos problemas como indisciplina, depredação e brigas entre os alunos. Com o Escola Aberta, a comunidade é chamada a frequentar a escola nos fins de semana. "Para que não os alunos fumassem na escola, trouxe para o turno da noite aulas de Educação Física e recreio. E chamamos as famílias para nossos projetos", frisa a diretora, Cláudia Maria da Silva.
Por causa dessas experiências, a escola recebeu ontem cerca de 500 kits de material escolar para os alunos e será beneficiada pelo Programa EDP nas Escolas, da multinacional Energias do Brasil, por um ano. Haverá campanhas de saúde bucal, apresentações teatrais, concursos e apoio aos projetos atuais.
Análise
Vivemos uma crise da autoridade
Márcia Rodrigues
Socióloga e coordenadora do Núcleo de Estudos Indiciários da Ufes
Vivemos uma crise da autoridade, que a gente pode chamar de uma crise da lei, do limite. A figura do professor não é mais respeitada por aquilo que desempenha, assim como a do pai e da mãe.
As drogas funcionam hoje como um elemento fundamental na desconstrução desse limite. E isso interfere em toda a sociedade. A escola tem suas regras, que não condizem com a lógica violenta. Mas a incapacidade dos pais de impor limites é ainda mais crítica, porque a família é a primeira instância responsável por aquilo que chamo de "processo de socialização".
Nós, na sociedade, temos que respeitar determinadas regras de convivência. Porém, quando adolescentes, estamos muito abertos às influências. A escola reflete o que está na sociedade, reproduz etnias, classes sociais, conflitos, valores e, claro, a violência.
As causas dessa violência se encontram nas dinâmicas que se estabelecem nesse processo. A família está presente na vida do aluno? Que família é essa? A escola sabe quem é seu aluno? Tem poderes para ajudá-lo? A violência é ainda mais cruel nas escolas públicas do que nas particulares, porque essa faceta da sociedade está lá dentro sem máscaras.
A decadência do ensino público abriu as portas para a entrada da violência na escola. E é a melhoria do ensino que melhor poderá dar respostas positivas para o fim da violência na escola.
Autores: Elisangela Bello e Priscilla Thompson
Fonte: Gazeta Online
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